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Controle e monitoramento de produtos de degradação: o que diz a nova RDC n°964/2025?

A qualidade, segurança e eficácia são requisitos essenciais para garantia do registro sanitário de medicamentos (ANVISA, 2022).
Nos últimos anos tem-se atribuído maior importância ao controle e monitoramento de impurezas e produtos de degradação pois a presença de substâncias indesejadas em insumos farmacêuticos ativos (IFA) e medicamentos afeta não apenas a qualidade, mas também a segurança dos produtos e dependendo das concentrações presentes, essas impurezas e produtos de degradação podem ser tóxicos ou causar efeitos adversos ao paciente (ANVISA, 2022).
Os produtos de degradação são impurezas que podem surgir devido a alterações químicas do IFA, causadas por fatores ambientais como luz, calor, umidade, pH ou interações IFA-excipientes que podem ocorrer durante a fabricação e armazenamento do medicamento durante todo seu prazo de validade.
Embora as resoluções relacionadas à validação de métodos e estabilidade abordassem claramente a necessidade de estudos de degradação forçada e monitoramento de produtos de degradação, as diretrizes para execução desses estudos não eram claras e não existiam orientações específicas sobre como realizar esses estudos. Diante deste cenário a área técnica da ANVISA considerou essencial a implementação de métodos capazes de quantificar o IFA (teor) e seus produtos de degradação, chamados de métodos indicativos de estabilidade (ANVISA, 2022).
Desde então A ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária),   por meio da da publicação da norma RDC 58 em 2013,  revogada após 2 anos pela RDC 53 de 2015, tem o objetivo de garantir a segurança dos medicamentos comercializados no Brasil por meio do controle adequado dos produtos degradação, em que “estabelece parâmetros para a notificação, identificação e qualificação de produtos de degradação em medicamentos com substâncias ativas sintéticas e semissintéticas, classificados como novos, genéricos e similares”. Embora a agência tenha criado vários documentos, como o Guia n°4/2015, para ajudar na compreensão das expectativas sobre os estudos de degradação forçada e obtenção e implementação de métodos indicativos de estabilidade, ainda havia muito a se discutir e amadurecer, principalmente às questões práticas, condução desses estudos e a falta de alinhamento internacional, principalmente apontados por empresas multinacionais.
E, após quase 10 anos, a ANVISA publicou recentemente, a RDC n°964, de 20 de fevereiro de 2025, que “estabelece os requisitos gerais para a realização dos estudos de degradação forçada em medicamentos contendo insumos farmacêuticos ativos (IFAs) sintéticos e semissintéticos (inclusive quando associados a outros IFAs) e define os parâmetros para a notificação, identificação e qualificação de produtos de degradação”. Esta nova resolução anula a RDC n°53/2015 e também, a RDC n°171/2017, que revisava a aplicação da RDC n°53/2015.
A nova resolução, RDC n°964/2025, preserva em grande parte as diretrizes estabelecidas pela RDC 53/2015. Aplica-se às mesmas categorias de produtos, excluindo biológicos, fitoterápicos e excipientes isolados, e abordam os estudos de degradação forçada, limites de notificação, identificação e qualificação e método analítico indicativo de estabilidade. 
Entretanto, este documento exige um maior rigor técnico e específica de maneira mais clara os requisitos, detalhando como e quando os estudos devem ser realizados, os procedimentos para o registro de novos medicamentos e pós-registro, além das alterações na composição do IFA. 
Destaca a necessidade de maior atenção à pureza do pico cromatográfico durante a validação dos métodos analíticos indicativos de estabilidade e ao balanço de massas permitindo um maior entendimento da capacidade do método de detectar e quantificar os produtos de degradação, bem como a apresentação de justificativas em casos de desvios no balanço de massas, interpretando e discutindo tecnicamente.
Outros aspectos relevantes que podem ser destacados são:
“Os testes deverão ser realizados em condições que promovam degradação superior às variações analíticas intrínsecas do método e, idealmente, inferior àquela que levaria à degradação não relevante para o estabelecimento do perfil de degradação potencial do IFA” (Art 11, parágrafo 1°); excluindo a necessidade de apresentar uma redução/queda do teor do IFA de pelo menos 10%.
“Os estudos em fase líquida do produto acabado poderão ser dispensados para medicamentos de forma farmacêutica sólida, desde que os estudos realizados com o(s) IFA (s), em fase líquida e em fase original, e o com o medicamento, em fase original, sejam adequados para comprovar o poder indicativo de estabilidade do método” (Art 10, parágrafo 5°); possibilitando a redução do número de testes, aproximando-se experimentalmente da realidade, com ênfase no perfil de degradação real.
A inclusão de uma nova via de degradação, na fase líquida e sob condições oxidantes, envolvendo a auto-oxidação (Seção III, Artigo 10), com o uso de iniciadores radicalares (iniciador de radicais livres). O Iniciador radicalar, como o AIBN - Azobis(isobutironitrila) e BPO - Peróxido de benzoíla, é uma substância que inicia uma reação de oxidação via formação de radicais livres. Essa nova via de degradação, representa um desafio para as empresas farmacêuticas e para a prática dos estudos de degradação forçada pois impactam diretamente na necessidade de treinamentos especializados e a adequação dos laboratórios, refletindo na implementação desses testes. A ANVISA estabeleceu um prazo de transição de dois anos, após publicação desta norma, para que as empresas se adequem às novas exigências.
0 detalhamento em relação às especificações a serem adotadas para qualificação de produtos de degradação, incluindo principalmente a possibilidade de considerar estudos e dados referente ao medicamento comparador, o medicamento de referência ou medicamento genérico ou similar (Capítulo III, artigos 18 e 19).
A nova norma trouxe uma abordagem mais científica, fomentando a pesquisa, planejamento e possibilidades de justificativas técnicas baseadas em teorias, literaturas, compêndios oficiais e modelos in sílico (modelos computacionais usados para simular processos físicos e químicos criados com o objetivo de estudar, prever ou testar hipóteses sem precisar fazer experimentos diretamente em laboratório) com o suporte de softwares como Zeneth (Lhasa) e Degradation Plot (Altox), além de uma análise crítica para excluir algumas condições de degradação forçada dos estudos, proporcionando flexibilidade e eficiência nos estudos de degradação, ao mesmo tempo em que se evita a realização de testes desnecessários, sem afetar o atendimento à norma e consequentemente reduzindo as exigências. 
De forma geral, as modificações trazidas pela RDC 964/2025 constituem um marco importante na regulamentação do setor farmacêutico no Brasil, alinhando as exigências nacionais às normas internacionais, como as diretrizes do ICH, especialmente o ICH Q1A, ICH Q1B, que abordam os estudos de estabilidade de medicamentos, o ICH Q3A, ICH Q3B e M7, que tratam do controle, especificação e qualificação de impurezas orgânicas em medicamentos. ​ Além disso a RDC 964/2025 fortalece a segurança dos medicamentos. 
É importante destacar que nossas regulamentações estão em um processo contínuo de atualização e aprimoramento, incorporando conhecimentos com uma abordagem técnica e científica, baseada em evidências, fatos e experiências reais. Esse progresso proporciona maior assertividade e confiança, conferindo maior qualidade dos trabalhos envolvidos. Consequentemente, cresce a necessidade de equipes cada vez mais multidisciplinares e especializadas.

Referências bibliográficas:
ANVISA. Estabelece os requisitos gerais para a realização dos estudos de degradação forçada em medicamentos contendo insumos farmacêuticos ativos (IFAs) sintéticos e semissintéticos (inclusive quando associados a outros IFAs) e define os parâmetros para a notificação, identificação e qualificação de produtos de degradação. Resolução da Diretoria Colegiada - RDC nº 964, de 20 de fevereiro de 2025.
ANVISA. Relatório de análise de impacto regulatório sobre controle de produtos de degradação em medicamentos. Gerência-Geral de Medicamentos (Gerência de Avaliação da Qualidade de Medicamentos Sintéticos), 2022.
ANVISA. Estabelece parâmetros para a notificação, identificação e qualificação de produtos de degradação em medicamentos com substâncias ativas sintéticas e semissintéticas, classificados como novos, genéricos e similares, e dá outras providências. Resolução da Diretoria Colegiada - RDC nº 53, de 04 de dezembro de 2015.
ANVISA. Guia para obtenção do perfil de degradação, e identificação e qualificação de produtos de degradação em medicamentos. Guia n°04/2015, de 8 de dezembro de 2015. 

 Autora:
Heloísa Ribeiro Galasso Costa
Formada em 2002 em Farmácia Industrial e Pós-graduada em Saúde Pública pela Centro Universitário São Camilo. Em 2002 iniciou sua carreia na indústria farmacêutica, atuando nas áreas de Controle da Qualidade, Equivalência e Bioequivalência Farmacêutica, Estabilidade de Medicamentos, Desenvolvimento e Validação de métodos analíticos. Com experiência de mais 20 anos no setor, trabalhando em indústrias farmacêuticas nacionais e multinacionais, hoje, como coordenadora de Desenvolvimento de métodos analíticos e Estudos de Estabilidade, na Marjan Farma.